Raul Pompéia
NIENTE

I

Ali num recanto esquecido, Elvira plantou, um dia, um galhozinho de rosa. O arbusto brotou viçoso e, bafejado pelo calor, enfeitou-se de folhas, engrinaldou-se de botões.

Elvira, cada manhã, cada tarde, visitava a plantinha. A roseira recebia o primeiro raio do sol e o primeiro sorriso de Elvira. À noutinha, a roseira tinha visto o derradeiro fulgor do sol, quando Elvira se vinha despedir dela, amparando com os dedos delicados um ramo que se inclinava demasiado, afugentando uma formiga de mau agouro.

Tanto afago e tanto sol era para fazer esperar uma florescência esplêndida.

Elvira esperava.

II

A primeira rosa já tinha dono.

Seria dele... Por que não?... Quem colhera o desabrochar do seu coração?... E Elvira estava convencida, vaidade de moça talvez, que o seu coraçãozinho valia mais que uma rosa.

III

O dia não estava longe.

As auroras influenciavam naquelas flores!... Os sepalozinhos dos botões como que estalavam, ao hálito da madrugada, e se preparavam para descolar-se.

Havia um então... Parecia-se com um amuo de criança prestes a dissolver-se em risos. Estava: abre... não abre...

Ah! quando abrisse!... Mas Elvira não sabia que alguém vinha mais cedo do que ela espiar o botãozinho.

IV

O sol semeava pela campina mil palhetas de ouro. As folhas de erva iriavam-se com as refrações multicores de infinitas gotazinhas de orvalho, estremecendo ao contato do frescor agradável que atravessava a manhã.

O botão, como a boquinha rubra do menino que se expande numa gargalhada franca e aberta, desabrochou a meio.

Em poucos momentos, o botão devia estar... rosa!

Uma linda mocinha, num alvo desalinho, veio correndo e espiou. Era Elvira.

- Até logo, disse à flor.

V

Quando voltou, a rosa não estava lá!...

Uma borboleta azul esvoaçava, batendo gentilmente no ar, com o pano das asas.

O bichinho cabriolava contente, dando viravoltas a esmo. Elvira estava bem irada...

Correu para a borboleta...

Fora essa malvadinha! Tambóm que não fosse pouco importava. O que Elvira queria era dar expansão ao seu desgosto. Mataria a borboleta... Pôs-se a correr pelo campo, agitando no ar o lenço, perseguindo o bichinho; a borboleta supunha que era graça e brincava, voando aqui e voando ali: borboleteando loucamente... Por fim, voou para cima e fugiu. Elvira mordeu o beiço com um gesto graciosamente estouvado e gritou imperiosamente:

- Borboleta!

A borboleta não voltou.

VI

Um mancebo que andava por perto correu à jovem e perguntou:

- Que queres com a borboleta?

Elvira deu um grito de admiração e, sorrindo, lançou-se aos ombros do moço.

- A rosa era tua! exclamou.

- Ah! pois eu te dou, respondeu o moço mostrando uma flor que trazia oculta.

- Então foste tu...?

- Para dar-te, furtei.

- Mau! tiraste-me o gosto... Pois vou dar-te outra

- Dá-me.

Elvira que enlaçava o pescoço do mancebo encostou-lhe à face os lábios e depôs longamente um ósculo.

O sol brilhava esplêndido e riam-se os prados.