Machado de Assis
O BUSTO DE GONÇALVES DIAS
Discurso
proferido no Passeio Público, ao inaugurar-se a herma do poeta em 2 de junho de 1901.
Sr. Prefeito do Distrito
Federal:
A comissão que tomou a si
erguer este monumento, incumbiu-me, como presidente da Academia Brasileira, de
o entregar a V. Ex., como representante da cidade. O encargo é não somente
honroso, mas particularmente agradável à Academia e a mim.
Se eu houvesse de dizer tudo
o que este busto exprime para nós, faria um discurso, e é justamente o que os
autores da homenagem não devem querer neste momento, Conta Renan que, uma hora
antes dos funerais de George Sand, quando alguns cogitavam no que convinha
proferir à beira da sepultura, ouviu-se no parque da defunta cantar um
rouxinol. "Ah! eis o verdadeiro discurso!" disseram eles consigo. O
mesmo seria aqui, se cantasse um sabiá. A ave do nosso grande poeta seria o
melhor discurso da ocasião. Ela repetiria à alma de todos aquela canção do
exílio, que ensinou aos ouvidos da antiga mãe-pátria uma lição nova da língua de
Camões. Não importa! A canção está em todos nós, com os outros cantos que ele
veio espalhando pela vida e pelo mundo, e o som dos golpes de Itajubá, a
piedade de I-Juca-Pirama, os suspiros de Coema, tudo o que os mais velhos ouviram
na mocidade, depois os mais jovens, e daqui em diante ouvirão outros e outros,
enquanto a língua que falamos for a língua dos nossos destinos.
Dizem
que os Cariocas somos pouco dados aos jardins públicos. Talvez este busto
emende o costume; mas, supondo que não, nem por isso perderão os que só vierem
contemplar aquela fronte que meditou páginas tão magníficas. A solidão e o
silêncio são asas robustas para os surtos do espírito. Quem vier a este canto
do jardim, entre o mar e a rua, achará o que encontra nas capelas solitárias,
uma voz interior, e dirá pelo rosário da memória as preces em verso que ele
compôs e ensinou aos seus compatrícios.
E
desde já ficam as duas obras juntas. Uma responderá pela outra. Nem V. Ex., nem
os seus sucessores consentirão que se destrua este abrigo de folhas verdes, ou
se arranque daqui este monumento de arte. Se alguém propuser arrasar um e mudar
outro, para trazer utilidade ao terreno, por meio de uma avenida, ou coisa
equivalente, o Prefeito
recusará a concessão, dizendo que este jardim, conservado por diversos regimes,
está agora consagrado pela poesia, que é um regime só, universal, comum e
perpétuo. Também pode declarar que a veneração dos seus grandes homens é uma
virtude das cidades. E isto farão os Prefeitos de todos os partidos, sem agravo
do seu próprio, porque o poeta que ora celebramos, fiel à vocação, não teve
outro partido que o de cantar maravilhosamente.
Demais, se o caso for de
utilidade, V. Ex. e os seus sucessores acharão aqui o mais útil remédio às
agruras administrativas. Este busto consolará do trabalho acerbo e ingrato; ele
dirá que há também uma prefeitura do espírito, cujo exercício não pede mais que
o mudo bronze e a capacidade de ser ouvido no seu eterno silêncio. E repetirá a
todos o nome de V. Ex., que o recebeu e o dos outros que por ventura vierem
contemplá-lo. Também aqui vinha, há muitos anos, desenfadar-se da véspera, sem
outro encargo nem magistratura que os seus livros, o autor de Iracema. Se
já estivesse aqui este busto, ele se consolaria da vida com a memória e do
tempo com a perenidade. Mas então só existiam as árvores. Bernardeli, que tinha
de fundir o bronze
de ambos, não
povoara ainda as nossas praças com outras obras de artista ilustre. Olavo
Bilac, que promoveu a subscrição de senhoras a que se deve esta obra, não
afinara ainda pela lira de Gonçalves Dias a sua lira deliciosa.
Aqui fica entregue o
monumento a V. Ex., Sr. Prefeito, aqui onde se deve estar, como outro exemplo
da nossa unidade, ligando a pátria inteira no mesmo ponto em que a história,
melhor que leis, pôs a cabeça da nação, perto daquele gigante de pedra que o
grande poeta cantou em versos másculos.
Fonte: Páginas Recolhidas - Machado de Assis - W. M.
Jackson Inc. - 1946