Machado de Assis
Na
Academia Brasileira de Letras
Discurso
na
Sessão de encerramento
Um
artigo do nosso regimento interno impõe-nos a obrigação de adotar no fim de
cada ano o
programa dos trabalhos do ano vindouro. Outro artigo atribui ao presidente a exposição
justificativa deste programa.
Como a nossa ambição, nestes
meses de início, é moderada e simples, convém que as promessas não sejam
largas. Tudo irá devagar e com tempo. Não faltaram simpatias às nossas
estréias. A língua francesa, que vai a toda parte, já deu as boas vindas a esta
instituição. Primeiro sorriu; era natural, a dois passos da Academia Francesa;
depois louvou, e, a dois passos da Academia Francesa, um louvor vale por dois.
Em poucos meses de vida é muito. Dentro do país achamos boa vontade e animação,
a imprensa tem-nos agasalhado com palavras amigas. Apesar de tudo, a vida desta primeira hora foi modesta,
quase obscura. Nascida
entre graves cuidados de ordem pública, a Academia Brasileira de Letras tem de ser o
que são as associações análogas: uma torre de marfim, onde se acolham espíritos literários, com a
única preocupação literária, e de onde, estendendo os olhos para todos os
lados, vejam claro e quieto. Homens daqui podem escrever páginas de história,
mas a história faz-se lá fora. Há justamente cem anos, o maior homem de ação dos nossos tempos,
agradecendo a eleição de membro do Instituto de França, respondia que, antes de ser
igual aos seus colegas, seria por muito tempo seu discípulo. Não era ainda uma
faceirice de grande capitão, posto que esse rapaz de vinte e oito anos meditasse já sair à
conquista do mundo. A Academia Brasileira de Letras não pede tanto aos homens
públicos deste país; não inculca ser igual nem mestre deles. Contenta-se em fazer na
medida de suas forças
individuais e coletivas, aquilo que esse mesmo acadêmico de 1797 disse então
ser a ocupação mais honrosa e útil dos homens: trabalhar pela extensão das
idéias humanas.
No próximo ano não temos
mais que dar
andamento ao anuário bibliográfico, coligir os dados biográficos e literários,
como subsídio para um dicionário bibliográfico nacional, e, se for possível,
alguns elementos do vocabulário crítico dos brasileirismos entrados na língua portuguesa e das
diferenças no modo de falar e escrever dos dois povos, como nos obrigamos por
um artigo do regimento interno.
São obras de fôlego cuja
importância não é preciso encarecer a vossos olhos. Pedem diuturnidade
paciente. A constância, se alguma vez faltou a homens nossos de outra esfera, é
virtude que não pode morar longe desta casa literária.
O último daqueles trabalhos
pode ser feito ainda com maior pausa; ele exige não só pesquisa grande e
compassada atenção, mas muita crítica também. As formas novas da língua, ou
pela composição de vocábulos, filhos de usos e de costumes americanos, ou pela
modificação de sentido original, ou ainda por alterações gráficas, serão
matérias de útil e porfiado estudo. Com os elementos que existem esparsos e os que se organizarem,
far-se-á qualquer coisa
que no próximo século se irá emendando e completando. Não temamos falar no próximo
século, é o mesmo que dizer daqui a três anos, que ele não espera mais; e há
tal sociedade de dança que não conta viver menos. Não é vaidade da Academia
Brasileira de Letras lançar os olhos tão longe.
A Academia, trabalhando pelo
conhecimento desses fenômenos, buscará ser, com o tempo, a guarda da nossa
língua. Caber-lhe-á então defendê-la daquilo que não venha das fontes legítimas
- o povo e os escritores - não confundindo a moda que perece, com o moderno, que
vivifica. Guardar não é impor; nenhum de vós tem para si que a Academia decrete
fórmulas. E depois, para guardar uma língua, é preciso que ela se guarde também
a si mesma, e o melhor dos processos é ainda a composição e a conservação de
obras clássicas. A autoridade dos mortos não aflige e é definitiva. Garret pôs
na boca de Camões aquela célebre exortação em que transfere ao "Generoso
Amazonas" o legado do casal paterno. Sejamos um braço do Amazonas;
guardemos em águas tranqüilas e sadias o que ele acarreta na marcha do tempo.
Não há justificar o que de
si mesmo se justifica; limito-me a esta breve indicação de programa. As
investigações a que nos vamos propor, esse recolher de leitura ou de outiva,
não será um ofício brilhante ou ruidoso, mas é útil, e a utilidade é um título,
ainda nas academias.
7 de dezembro
de 1897.
Fonte: Páginas Recolhidas - Machado de Assis - W. M.
Jackson Inc. - 1946