Artur Azevedo

PAN-AMERICANO

Na venda. Manuel, o vendeiro, está ao balcão. O Chico Facada acaba de beber dois de parati.

CHICO (limpando os beiços)

Ó seu Manuel?

MANUEL

Diga!

CHICO

Eu sou um cabra vigiado: já fui atá ao Acre mas sou inguinorante. Você, que é todo metido a sebo, me explique o que vem a ser isso de pan-americano.

MANUEL

Sei lá! Pois se a coisa é americana, como quer você que eu saiba? Tenho os meus estudos, isso tenho, mas só entendo do que é nosso. Lá o americano sei o que é; o pan é que me dá volta ao miolo!

CHICO

Você tem aquele livro que ensina tudo, e que o copeiro do doutor Furtado lhe vendeu para papel de embrulho?

MANUEL

Ah! Tenho! Tenho! Lembra você multo bem! E é justamente o volume que tem a letra p. (vai buscar numa prateleira o segundo volume do dicionário de Eduardo Faria) Ora, vamos ver! Isto é um livro, "seu" Chico, comprado a peso, aqui no balcão, por uma bagatela, mas que não dou por dinheiro nenhum. É obra rara! (depois de folhear o dicionário) Cá está! (lendo) "Pan: deus grego..."

CHICO (interrompendo)

Grego ou americano?

MANUEL

Aqui diz grego. Talvez seja erro de imprensa. (continuando a leitura) "Filho de Júpiter e de Calisto."

CHICO

Que diabo! Então ele tem dois pais?

MANUEL

Naturalmente Júpiter é a mãe. O nome é de mulher. (lendo) "Presidia ao rebanho e aos pastos, e passava pelo inventor da charamela."

CHICO

Charamela? Que vem a ser isso?

MANUEL

Lá na terra chamamos nós charamela a uma espécie de flauta.

CHICO

De flauta? Então já sei! Isso de pan-americano é uma flauteação!

MANUEL (fechando o dicionário)

Diz você muito bem, "seu" Chico: são uns flauteadores! Ora, que temos nós com os pastos e os rebanhos? (vai guardar o dicionário) Coisas que eles inventam para gastar dinheiro, como se o dinheiro andasse a rodo! (em tom confidencial) Olhe, aqui para nós, que ninguém nos ouve, o filho de Calisto deve ser o tal Rute, que andou por aí a fazer discursos e a encher o pandulho...

CHICO

Por falar em calistos, venha mais um de parati, "seu" Manuel!